sexta-feira, 13 de maio de 2011

Eu a vi passar. Passou por mim como se nem existisse, como se fora uma réplica da que um dia existiu de verdade. Andava a passos lentos e pesados. Pesados, mais pesados que o peso que habitava a sua consciência. Os olhos marejados, já não choravam mais, perderam todo seu brilho. Só uma lágrima, já seca por causa do tempo, teimava em aparecer no canto de seus olhos. Ouvi dizer algumas vezes que os olhos são as janelas da alma; os dela, porém, pareciam sem alma alguma, e apenas continuavam a enxergar, pois não sabiam como fazer parar. Enxergava como se respira - automaticamente - sem opção de parar ou continuar.
Suas janelas fechadas encontraram as minhas ainda tão abertas e brilhantes. Sofri quando a vi assim; sofri com ela, quis sofrer por ela. Pensei em afagar-lhe os cabelos e dizer-lhe palavras confortantes, mas, decerto, não havia meios de reconfortá-la. Ousei chorar em seu lugar.
Eu a vi passar. Passou com seu jeito perdido; parecia não saber, se quer, para onde ir. Quando ela me viu de volta, resgatou memórias e sofreu, mais uma vez, desde o início. Desfalecida, caminhava. Há pouco perdera o filho, perdera uma parte de si. Se permitiu enterrar junto à ele para não esquecer de sentir seu cheiro, ou o som da sua voz, ou a cor do seus cabelos. Agora, privada dos sentidos, perambulava em um mundo ao qual nem pertencia mais.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

(In)certo

Há alguns momentos na vida em que nos deparamos com questões a serem resolvidas, só que elas não são facilmente solucionadas como decidimos, depois de algum tempo, com que roupa ir para determinado lugar. Essas questões demandam atenção, tempo; precisamos nos debruçar em cima delas e destinar o maior cuidado possível para optar pela decisão correta. Incalculáveis, são as vezes que nos pomos nestes dilemas, mas indubitavelmente alguns casos parecem ser mais críticos que outros; irreversíveis se tomarmos a decisão erreda. Talvez seja assim que nos sentimos diante da escolha do nosso futuro profissional, de que caminho percorrer, de qual curso universitário fazer. Diante de tantas opções, temos que optar por uma, parece de certa forma injusto que não possamos escolher ser jogador de futebol e ator, por exemplo. Então, lemos sobre a profissão que mais se encaixa no nosso perfil, estudamos acerca, pesquisamos perspectivas de trabalho, como se encontra o mercado... na verdade tomamos muitas decisões destas no escuro, nada ou pouco sabemos, ainda que tenhamos lido durante meses ou anos sobre aquela profissão. Neste ínterim em que decidimos o nosso futuro, estudamos para o opressor vestibular que nos põe em uma pressão psicológica sem tamanho, por parte de família, amigos, amigos da família ou vizinhos, todos parecem querer fazer parte da sua vida naquele momento, dizendo-lhe qual seria a melhor opção a tomar, e que você tem que dar esse orgulho ao seus pai, no meu caso a minha mãe, que dedicaram muito esforço para vê-lo "bem de vida" futuramente. E com um toque no botão da opção do curso e outro na opção "confirmar", decidimos o nosso futuro ou pelo menos alguns meses à frente(e ainda ganhamos uma grande dor de cabeça de tantas dúvidas que vemos brotar em nosso consciente). Pois bem, com muito esforço e incertezas, recebemos a louvável, e digna de alívio, notícia que passamos no vestibular, e aí as congratulações. Chegamos na sonhada Universidade Pública, que tantos penamos para entrar, e deparamo-nos com a desilusão; criamos a esperança que semestre que vem melhora, na verdade as coisas só pioram, talvez seja uma visão muito negativa das coisas, mas fato é que novamente nos deparamos com aqueles dilemas: Devo desistir ou terminar na garra? Se desistir vou fazer o que? Que será que minha família e amigos, e amigos da família e vizinhos vão pensar disso? (...)
Voltamos a escuridão das dúvidas, enquanto a clareza das certezas parecem cada vez mais inatingíveis.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Desavergonhado

Lá vai o capibaribe nu

Capibaribe, capibaribe

não tens vergonha

de ficar, por aí, mostrando tuas vergonhas



Passando, assim, por baixo

das já não moças palafitas

que alegres, dançantes, sempre férteis

flutuam desajeitadamente,

em cima do despudorado



E mutiplicam-se

com suas pernas finas, bambas, até elegantes

tomando o lugar dos caranguejos;

colocando nos seus lugares outros

que andam sobre dois pés, pra frente.


*Natan Cavalcante

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Vida e Morte de um joão-ninguém

Era domingo, e como todo ele, teria um tempo maior para refletir sobre quaisquer coisas que quisesse. Naquele dia ele havia acordado normalmente como todo dia, ainda meio que sonolento e querendo se entregar a preguiça, mas por força do hábito levantou-se, até lembrar-se que estava no seu dia de descanso. Há alguns anos atrás adiquirira o costume de dormir lendo, hábito este que logo com o passar dos anos se estenderia também ao café-da-manhã, ou seja, substituira a comun oração que os cristãos faziam antes de dormir e quando acordam, por ler o seu livro de cabeceira da vez, achava isso muito mais simples que se filiar a uma religião ou seita, que ele achava que representavam um perigo para a sociedade, abominava o perigo. Fazia anos também que tinha assumido a sua descrença total em qualquer divindade milagrosa, tarefa esta nada fácil, pois vinha de uma família muita católica, talvez até ortodoxa em muitas concepções. Vivia só, não possuia filhos, o que ele considerava nada mal, pois achava o homem um ser difícil de se conviver, ainda mais quando estão em processo de formação de personaliddade. Também não possuia companheira, a única que passou em sua vida e lhe deixara algumas marcas, foi uma vizinha de infância. Uma verdadeira desilusão ao seu ver, depois daquilo se fechara para as relações amorosas, achava o amor algo muito complicado, pois ele causava uma séria de modificações na rotina e também no corpo, não queria se sujeitar ao perigo. Não possuia também animais, achava-os instáveis, não eram confiavéis. Sua semana, seu mês, em síntese sua vida, sempre foi muito planejada, não gostava de improvisos, achava muito perigoso arriscar o seu tempo com eles, só tinha uma vida e não queria desperdiçá-la com bobagens, por isto seu dia era milimetricamente cronometrado. Não podia perder tempo com bobagens, era o que ele sempre afirmava. Pontualidade nunca foi uma problema para ele, tinha pontualidade britânica. Trabalhava como contador, achava os números brilhantes, a matemática em todo o seu trajeto de vida, fora sua maior companheira. Brilhantes, brilhantes, são os números, repetia ele sempre que tinha oportunidade. Era um sujeito de poucas palavras, não gostava de gastar seu vocabulário com as pessoas, achava quase todas elas repugnantes. Lia compulsivamente, apesar de achar os números brilhantes, e não dá valor as pessoas, gostava de ler, achava que todas aquelas palavras juntas eram uma brilhante arquitetura, achava todos os livros um bom exercício matemático. Não dava valor ao autor da obra, mas ao cálculo que ele conseguia enxergar em cada página dos livros que lia, alguns que comprou eram compostos duma engenharia muito enpobrecida, não gostava disso, por isso rasgava-os, rasgou muitos deles. Rotina para ele era uma coisa brilhante, sempre repetia os mesmos adjetivos, não gostava de inovações. Um dia porém quando estava passando por uma vitrine enfeitada de uma doceria, seu olhar se prendeu num sonho que ali pairava, nunca foi de comer muitos doces, tinha medo que eles causassem-lhe imensas cáries, ele detestava dentista, logo não comia doces, mas aquele sonho ela tinha de comer. Entrou na doceria pediu aquele da vitrine, o atendente foi pegar e deu a ele. Ele comeu e lambuzou-se, lembrou dos sonhos que não tivera, de sua vida singela e medíocre, arrenpendeu-se por ali ter entrado, detestava lembranças, mas já não podia mais controlá-las, surgiam descontroladamente, chorou, saiu da doceria correndo descontroladamente, urrava pela dor que sentia e que não podia deter. Atravessou a rua correndo, não lembrou-se de olhar para os dois lados como ensinaram-lhe, erro mortal.
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Acabou-se o que era doce.
Acabou-se o que não era doce também.
Jazia ali mais aquele insignificante Jõao.
Mais um joão-ninguém, um dos muitos joões.
Ninguém chorava por ele...
muitos olhavam curiosamente aquela trágedia,
imaginando quando seria sua vez,
rezando, pra ela logo não chegar... oh, Deus!

FIM!